28/12/2010

aconchego



















uma árvore se encostou de ponta cabeça no finzinho da tarde.


(SM)
foto: autor desconhecido

23/12/2010

balatunda
















Com que você está conversando?
_ com o Balatunda.
(...)
Qual é a cor do cabelo dele?
_melelo e o olho azul.
(...)
Onde ele mora mesmo?
_ na nuvem tia!!


(SM)
Circo II (tela de Martha Barros)

14/12/2010

passarinhada
















quando a chuva desta tarde dobrou a esquina, pequenas andorinhas surgiram de todos os lados tirando rasantes sob os primeiros pingos. em bando e numa farra animada chegaram a ficar ensopadas.
(...)
as mães das pequenas andorinhas assistiram a festa dos seus ninhos. e nem se importaram com a molhadeira, quando meninas faziam igual. ficaram mesmo foi com saudade dos seus tempos de revoadas.

(SM)
Passarinhada: tela de Martha Barros

22/11/2010

o menino do cabelo melelo















a tesoura distraída sobre a mesa distribuía seus encantos. antes que a mãe a escondesse na gaveta mais alta do armário, o menino tratou de inventar brincadeira.
(...)
enquanto a tesoura passeava pela franjinha melela, a mãe chegou muito brava interrompendo a travessura pela metade. e para acabar com a braveza da mãe que durou um dia inteiro o menino tratou de inventar solução:
_ ô pai, vochê compra ôto cabelo pa mim pai?


(SM)
Tela de Martha Barros: Circo III

20/11/2010

ventos trincados de sons














um vento suave entrou pela janela soprando uma música lenta. dançou a cortina, a flor no vaso, dançou a poeira e o meu pensamento. bem no ritmo da canção do vento.


(SM)
Tela: Ventos trincados de sons de Martha Barros

30/10/2010

raízes da fala













enquanto a chuva ensaiava alguns pingos atrás de um morro próximo, um vai-e-vem de andorinhas se revezava pra catar paina e mato seco da última capina.  não perderam tempo com conversê, como os pardais, periquitos e pombos que passaram as horas de ensaio da chuva jogando conversa fora.

(SM)
Tela de Martha Barros: Raízes da fala

16/10/2010

pássaros e flores


















hoje os passarinhos amanheceram cantando baixinho, pra não acordar as florzinhas amarelas amanhecidas no quintal. mais tarde no jardim vizinho, um pequeno arbusto timidamente se enfeitou de brincos de princesa. e por todo o dia a mata distribuiu beijinhos coloridos.


Tela: Pássaros e Flores de Martha Barros

12/10/2010

pássara noiva













no poste do morro, num lugar onde não se imagina, bem escondidinho, um ninho de passarinho. lá em cima o pássaro ajeita o ninho para a pássara. ela se equilibra dengosa no fio de luz, enquanto espera.


Tela: Pássara noiva de Martha Barros

11/10/2010

Dialogando



















a janela dessa manhã acompanhou a chegada de um elegante tucano rodeado de pardais que se revezavam em dar as boas vindas. passaram na maior tagarelice em direção à caixa d’água da esquina. lá no alto o tucano graciosamente bebericava e conversava, conversava e bebericava. pelo tanto que conversou e bebericou, dava pra perceber que tinha vindo mesmo de longe.


Tela: Dialogando/de Martha Barros

10/10/2010

água coberta de paz


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
depois de muito esperada, ela foi anunciada por deslumbrantes relâmpagos na ponta do morro.  um vento faceiro refrescou a tardinha e os passarinhos até voltaram mais cedo pra casa.  mas ela só chegou no meio da noite e numa animação de fazer gosto! alguns pensando ser sonho viraram pro canto e voltaram a dormir, embalados pelos pingos sonoros. outros nem acordaram. mas eu não resisti à  farra boa que acontecia lá fora: corri para a janela na noite, pra ver a chuva passar.
 
 
(SM)
Tela de Martha Barros: Água coberta de paz

29/09/2010

gotas de chuva na tarde

um bando de andorinhas se exibiu acrobaticamente no céu de nuvens alongadas pelo vento afoito. esse não demorou a levantar poeira e a revirar cabeleiras. as árvores se alvoroçaram chamando os passarinhos pra casa. e foi grande a correria (...) para receber algumas gotas de chuva na tarde.


(SM)
tela de Martha Barros: Gotas de chuva na tarde

26/09/2010

folhas da tarde












foi com ajuda da tardinha ruiva que a árvore se enfeitou toda de folhas. quando voltou do vôo distraído, o passarinho quase não a reconheceu. só ficou tranquilo depois de conferir seu ninho fofo de paina branquinha. a casa árvore antes desfolhada, já estava se preparando para, em breve, ser pousada da primavera.


(SM)
Tela: Folhas da tarde de Martha Barros

21/09/2010

conversa animada















quando abri os olhos uma luz silenciosa me espiava. gorjeios miúdos e crescentes, um bem-ti-vi ininterrupto e maritacas madrugadeiras me convenceram a descobrir a manhã que ainda dormia em nuvens fechadas. estava muito frio. mas estavam todos debaixo da minha janela numa conversa pra lá de animada. como fazem em todas as manhãs desta paisagem.



(SM)
Tela: Martha Barros/Conversa animada

02/09/2010

Delicadeza


um fogo sapeca surgiu na tardinha brincando de se espalhar rapidamente. apavorou a mata e os moradores das casas da mata. o ipê desflorido acenava ao vento pra sair da brincadeira que de repente ficou séria. pessoas urgentes com baldes em punho se apresentaram de todos os cantos. aos poucos um mutirão empenhado conseguiu abafar as altas chamas que deram lugar à uma densa fumaça de fogo extinto. horas mais tarde um céu tranqüilo e estrelado respirou fundo e aliviado. uma cantoria emocionada pode ser ouvida de uma das casas. uma cantoria agradecida à delicadeza de tantos anjos. solidariedade é coisa bonita de se ver!


(SM)
tela: delicadeza de Martha Barros

29/08/2010

infância


a casa na árvore guarda a sete chaves os sonhos dos meninos.


(SM)
Tela: Infância de Martha Barros

24/08/2010

pensamentos














sob sol da manhã um homem pousa o pensamento no imenso gramado do Distrito Federal. sob o céu de Brasília meus pensamentos adivinham o traçado do pensamento do homem.


SM/pensamento e foto

23/08/2010

canções do vento















o vento desarvorado que desembocou na noite não deixou uma paina sobre a árvore grande. amanheceram amontoadas no gramado que ficou com cara de tapete branquinho. mas foi passar o primeiro ventinho na manhã preguiçosa, que elas serelepes, foram brincar de quem se esconde mais longe.


(SM)
Tela: Canções do vento de Martha Barros

09/08/2010

formato de sol

hoje uma densa serração baixou muito cedo. engoliu o morro, as árvores, passarinho e tudo. já era tarde quando um sol morno começou a se despreguiçar empurrando a serração espaçosa pras bandas de lá. e uma linda manhã pegou muito passarinho de pijama na mão.


(SM)
Tela: Formato de sol/Martha Barros

07/08/2010

florescimento


uma luz amarela pousou na janela desta manhã. 


SM/pensamento e foto
(a partir da janela da Casa do Ponto)

27/07/2010

roda de lua e estrela














quando o frio de de mansinho se aproximou da noite, as nuvenzinhas que a acompanhavam se debandaram. foram procurar um canto de céu pra se amontoar. só a unha da lua e algumas estrelas salpicadas a sua volta, pareciam não se incomodar. passaram a noite em roda, numa prosa que varou o amanhecer.


(SM)

03/07/2010

anúncio de sol















pardais e periquitos em bando pularam cedo dos ninhos.  não resistiram aos encantos da manhã com barra de sol. maritacas em coro se encarregaram do arauto.


(SM)
Tela Martha Barros: Anúncio de sol

01/07/2010

dia branco

  















era bem cedo quando o vento frio chegou na companhia da manhã geada. cachecóis e luvas saltaram das gavetas e armários gelados. portas e janelas se fecharam para o dia sem fresta de sol.


(SM)
Tela sem título: de Martha Barros

21/06/2010

manhã de cinza
















hoje uma fumaça escura se espalhou pelo ar. e sem dó manchou de cinza
a barra da manhã azul. espantou gente e passarinho. sapecou inteira a roupa
do morro. nenhuma janela a se agüentou de dor.


(SM)
Tela de Martha Barros (Abandono)

18/06/2010

Manhã de azul

um passarinho rasgou o céu desta manhã de azul.  foi se encostar na parabólica mais alta. os dois pousados em fundo royal.  talvez conversem sobre o frio aparecido, o sol que engana, manhãs modificadas ou sobre dias que prometem.  ninguém sabe. só uma certeza:  lá de cima a visão desta manhã deve estar qualquer coisa de bonita.



(SM)
Tela: Sem Titulo de Martha Barros

13/06/2010

Cacos do silêncio















um homem e um negro cão despontaram na esquina desta manhã gelada.
seus olhos refletiam estradas compridas e empoeiradas. se via que eram delimitados pela ausência de sonhos. em silêncio dobraram a esquina.


(SM)
Cacos do Silêncio: Tela de Marrha Barros

09/06/2010

Manhã modificada












é que hoje sob o olhar fixo e radiante da ameixeira, no monte do mato capinado que jazia ao pé do muro, brotou um pé de taioba verde e viçoso.
e uma borboleta já faz rodeios no monte. sinal que outros brotos estão a caminho.

(SM)
Tela de Martha Barros: Sem nome

08/06/2010

Lembrança




















quando eu era pequena, queria ser como ela: cedo tomou rumo da cidade para ir de encontro a seu sonho. destino de coragem que inspirou muitos desejos de vôos. mas tendo se distraído com as novas paisagens do caminho ela se esqueceu do sonho.

(...)

muito tempo se passou. hoje ela conduz um olhar que mede distâncias. quase não sorri. acredito que guarda nos olhos a lembrança do sonho esquecido.


(SM)
A tela é de Martha Barros: Lembrança

29/05/2010

Solidão vertical



















na contra luz do crepúsculo, me chamou a atenção a árvore desfolhada.
finalizando o desenho do galho ressecado, paralisada, a silhueta de um passarinho. 


(SM)
Solidão Vertical: Tela de Martha Barros

28/05/2010

Impressões de gorjeios













as arvores secas do quintal já estão recebendo a visita de novas folhagens. elas acenam aqui ou acolá nos galhos ressequidos. qualquer dia desses abro a janela e as árvores estão floridas: posso até ouvir o canto dos passarinhos...
nada como um dia depois do outro!


(SM)
A tela: Impressões de gorjeios é de Martha Barros

27/05/2010

Caminhos do entardecer



















hoje eu vi o sol em chamas. se exaurindo por trás de parabólicas melancólicas. e aguardando sua vez de entrar em cena, eu vi a noitinha, em turquesa, mirando o fechamento do dia por trás das melancólicas parabólicas.



(SM)
Tela: Caminhos do entardecer de Martha Barros

26/05/2010

De surpresa









foi de repente que escureceu e se formou uma cortina de chuva na janela desta manhã gelada. espavorida fui acudir as roupas penduradas de fora. mas o varal inteiro aos gritinhos, se deliciava com o inesperado banho de água fria.


(SM)
Tela: pendurados de Martha Barros

25/05/2010

Vôo na tarde















uma pomba voa em circulo sob o céu da tardinha que lentamente se esvai. meu pensamento circunda o vôo redondo e só se distrai ao piscar insistente de uma estrela. que se junta à pomba em seu vôo solitário.


(SM)
Tela: Solidão de Martha Barros

13/05/2010

Simples assim














_ onde você foi linda assim?
eu fui lá na Igreja.
_ e o que você foi fazer lá na Igreja?
eu fui pra vê o... é... a Igreja toda. porque tinha uma pessoa  morrida lá.  sabe porque ele ficou todo machucado aí ele ficou lá no céu.
...
lá onde a minha mãe trabalha tem cadeira igual essa.
_ e onde a sua mãe trabalha?
ela trabalha laaa, onde tem banco, tem flor.
_ lá tem muita flor?
muitas flores!! tem trem.
_ lá tem trem?
o trem que passa lá fora.
...
_que cor você gosta mais?
de todas as cores!


(SM)
conversa com Maria Clara
Tela: Martha Barros

02/05/2010

Roxinhos












hoje a manhã chegou arrastada por um ventinho gelado. roxinhos de frio, os dois.  no caminho, encontraram nuvens amontoadas pelos cantos de um céu arroxeado.
o ventinho, batendo o queixo,  tanto fez que a manhã foi convencer o sol a colocar pelo menos as manguinhas de fora.
quem acordou cedo foi testemunha: manhã e ventinho de mãos dadas com solzinho morno. ainda que roxinhos.

(SM)
Tela: Sem título de Martha Barros

29/04/2010

Lua do passarinho
















uma andorinha corta a tarde. silenciosa. rumo ao ultimo traço de luz do dia. meu pensamento corta a tarde silenciosa atrás do seu vôo. quando volta já tem lua pálida em céu rosado. passarinho voltando pro ninho. suspiro fundo em rosto gelado.


(SM)
Tela: lua do passarinho de Martha Barros

27/04/2010

Verde modificado
















por todos os dias tem sido assim, a enxada chega por aqui com hora marcada. ela aparece antes mesmo do primeiro gorjeio. antes até que a manhã abra os olhos. muito cedo. e segue pelo dia desfolhando a paisagem. para tristeza dos passarinhos, que estão ficando sem ramagem pra se debruçar.

(SM)
Tela de Martha Barros: Verde Modificado

21/04/2010

Bordados no entardecer














por trás do ipê amarelo desfolhado e seco, o céu azul em cinza. as nuvens azul em rosa. um ventinho roxo de frio. e um suspiro, que fundo. a visão da tarde se indo.


(SM)
tela: Bordados no entardecer, por Martha Barros

07/04/2010

Fazenda













bem cedo o vento trouxe a novidade: chegou visita da cidade! Rosa bem disposta aumenta o feijão. galinhas espavoridas dão faxina no terreiro. e Tião busca lenha pra reforçar o fogão.

no domingo ensolarado, cães sonolentos guardam o caminho. enquanto a boa prosa alinhava o dia, vacas silenciosas ruminam à sombra do mangueiral. a tarde se espreguiça. roupas acenam na cerca de arame varal.


(SM)
Tela: Fazenda de Martha Barros

27/03/2010

No quintal dos silêncios










Sempre me acordam os passarinhos com a cantoria desmedida que preparam pra receber a manhã. Mas hoje o canto espaçado e tristonho, num quase silêncio,  anunciava que alguma coisa havia acontecido.

A primeira vista da janela foi estarrecedora. O quintal onde a chuva tanto desfilou por esses dias, fazendo brotar uma variedade impressionante de verde, estava aberto à flor da terra. Como se nunca tivesse  recebido a visita de um mato sequer. Pude entender pelo comentário de um pássaro no telhado,  que a enxada, sorrateiramente, passou a madrugada fazendo a devassa.

Não tendo como escapar à fúria da enxada, o amontoado indefeso jazia num canto do quintal.  Já ressecando aos primeiros fachos do sol.
O cenário silencioso era velado por xuxus dependurados nos quatro cantos do muro. Também uma ameixeira próxima ao amontoado, desconsolada, sentia muito o acontecido.


(SM)
Tela: No quintal dos silêncios de Martha Barros

24/03/2010

Emoção















O recado era: _ entrega pra minha mãe e diz que é muito importante!
Atrasada, a madrinha jogou na bolsa a folha pautada dobrada em três partes e chegando no trabalho, entregou a encomenda no seu destino: _ela disse que é muito importante viu?

A mãe curiosa, desdobrou a primeira, a segunda e na terceira desdobra esboçou um sorriso. Achou linda a cartinha desenhada de bolinhas do começo ao fim da folha. Umas maiores outras menores, mas todas em linha reta.

Ficou muito orgulhosa com a coordenação da filhinha de apenas dois anos.  Isso ela comentou por todo o dia com as freguesas e mostrando a cartinha, emendava: _Até escorreu uma lágrima de emoção!

Do lado de fora, também a chuva por todo o dia escorreu de emoção pela janela.


(SM)

19/03/2010

Esse Tempo!


Pela conversa dos relâmpagos eu poderia apostar que a chuva e a ventania trocariam de guarda com a tarde.
Mas neste dia, com a concordância do tempo, a tarde, de surpresa, tirou do bolso esquerdo uma barra de céu azul royal sob um amontoado de nuvens fofas. E do bolso direito, tirou um céu fog gotejante em tons de crepúsculo. E isso chamou a atenção da pessoa mais ocupada à mais desatenta. Flashs foram vistos por todos os cantos.
Não bastasse, o tempo ainda foi visto carregando o manto da noite. Dizem também que foi ele que trouxe pra ela uma exuberante lua de unha fina, com rabiola de estrelas que pipoqueavam aqui e acolá.


(SM)

14/03/2010

Pequeno Herói












Tenho um pequeno vizinho, que nas tardes de sábado, brinca com a irmãzinha bem debaixo da minha janela. A brincadeira chamaria menos minha atenção não fosse por uma curiosidade: saber o nome do herói gritalhão que  inspirou o menino.

Ele berra pra irmãzinha: _ yahhhhhhhhhhhhhhh!!! que silenciosa, é rendida de todas as formas. Típica cobaia de irmãozinho mais velho.  Mas se entendem por olhares em meio a uma luta em câmera lenta que tem de braços e pernadas pro alto a rolamentos pelo chão de cimento.

Tarde dessas, no auge da barulheira lá embaixo, não me contive. Cá de cima, também em alto e bom tom,  interferi na brincadeira:
_ yahhhhhhhhhhhhhhh!!!!

Depois de uma longa pausa, o menino bradou: _Apareça covarde!!
(...)
Agora que havia sido descoberta, não sabia se aparecia para o herói desconhecido, que a essa altura já estava irritado:
_Apareça seu verme! Covarde!! Apareça!!!

De verdade, não tive coragem de me render. No entanto, do alto do meu esconderijo, retrucou por mim a curiosidade que já não se aguentava:  _Quem é você??!?!



(SM)
desenho do herói: por Kynni Duarte

12/03/2010

A árvore e a erva


















Hoje ela acordou com o zunido da foice, arrancando à força de seus braços, a erva florida. As duas viviam grudadas desde quando, já haviam perdido a conta. O que se sabe é que a semente dessa amizade deixada no recôncavo de seu tronco, por um passarinho amarelo, brotou devagarzinho. Daquelas que o tempo vai firmando. Delicadamente, revelou flores brancas que deixavam a árvore toda envaidecida de enfeitada. Até confundia os passantes voadores mais distraídos.

Passaram a viver intimamente abraçadas, numa cumplicidade sem comparação. Se ficaram juntas o tempo suficiente de flores, porque agora havia a foice de separá-las? E foi em meio a esse desentendimento que a árvore viu a erva desfalecida sendo arrastada e arremessada no quintal do abandono, ao lado.

Não demorou muito e no palco desfile da foice, brotavam minhocas, formigas, tatus bolinha e toda raça de bichos miúdos. Uns para consolar a árvore, outros, de curiosos para assistir ao seu desamparo.


(SM)

11/03/2010

Esquecidos

















ele mora na subida de um morro de pedras. a roupa ferrugem e a boca cerrada por cadeado e correntes revelam que é esquecido de abertura. sua única companhia, um matagal esquecido de cultivo. vivem os dois, esquecidos de olhares.


(SM)
foto: Velho Portão/Olhares.com
de Manuel Joaquim Bastos Marques

07/03/2010

Manhã acompanhada de Chuva














Era bem cedo quando decidi que esperaria pela manhã da janela.  Não demorou muito a chegar, linda, encoberta por uma névoa fina. Pensei, como diz o ditato: cerração baixa, sol que racha.  Porque ontem ela não fez fita, já veio acompanhada de muita chuva. E juntas, manhã e chuva passaram o dia.  Encharcadas viraram a noite.

Pois hoje, ela quase convenceu o sol a acompanhá-la. Mas ele veio só até o pé do morro. Isso eu vi. Então, contrariando o ditado, a manhã não teve outra alternativa senão descerrar algumas nuvens escuras que já estavam no seu rasto. Não demorou muito e já estavam de novo, manhã e chuva, soltas pelo dia, desaguando na paisagem.


(SM)
Tela: Manhã de chuva a ouvir o Coltrane (de João Silva)
www.jokerartgallery.com/fotos/pin/silva/silva.php

04/03/2010

Arauto













manhã se abrindo.  pequeninas borboletas brancas percorrem o quintal de ponta a ponta. saltitantes. parecem dizer aos quatro cantos que o sol está ameaçando voltar. que é pra abrir as janelas, recolher os agasalhos, pendurar os guarda-chuvas. desabotoar o coração. que ele está voltando.


(SM)
foto de Bruno Diniz: Olhares.com

28/02/2010

Era uma vez um passarinho


Todo dia ele acorda muito cedo. Sem fazer ruído, deixa a árvore nos braços de Morfeu e segue rumo à casa de tijolinhos - a que tem um caminho todo cercado por pinheiros muito altos, uma porteira e uma piscina.

Se aproxima sorrateiro. Não bate o sino da porteira, que é pra não acordar as moradoras. Antes de entrar, olha pra trás, pra ter certeza de que está mesmo só. 

E, finalmente diante do quadrado azul, prepara um rasante na água orvalhada. Cruza a piscina num único deslizar, molhando só o peito miúdo. E de rasante em rasante na água fresca, nem percebe que a manhã lentamente abre as cortinas do dia e os outros passarinhos já estão chegando em bando.

Mas antes mesmo que o bando cruze a porteira, ele se afasta  para a  árvore mais próxima, se sacode rapidamente e vai embora. Deixa-os pra trás na maior farra, espirrando água pra todos os lados e fazendo cantoria para as moradoras, os cachorros e os vizinhos das moradoras.

Ah, esse é o Tião.


(SM)
Tela de Martha Barros - Era uma vez um passarinho

21/02/2010

Abandono


















era uma mulher sem boca
carregava lágrimas em dois baldes
o nome dela: solidão
e solidão vivia de abandono


(SM)
Tela de Martha Barros: Mulher sem boca

20/02/2010









Um pássaro só, com certeza se juntará a seu bando assim que se despedir do sol.  Uma pessoa só, digo, sem um bando pra se juntar quando o sol se despede, deve ser um pouco menos feliz que um pássaro.


(SM)
tela: Martha Barros/desprezo

18/02/2010

Manhã com pingos de ave











abro a janela  na horinha em que o pombo pousa bem pertinho da pomba, em cima do telhado do vizinho. a pomba arredia, voa para o muro mais próximo. ele vai atrás. ela volta para o telhado. ele insiste, vai atrás mais uma vez. agora ela voa pra bem longe, pra cima da casa mais alta da rua de cima. o pombo fica parado, pensativo.

três passarinhos se alternam entre o mesmo telhado, o mesmo muro e um pé de milho seco - numa coreografia que se repete, entre o telhado, o muro e o pé de milho.

o beija-flor filhote, da antena de tv voa para o varal ainda despido e deste para o muro com cacos-de-vidros-verde! e some no milharal ressecado.

o bentivi animado pousa bem próximo dos passarinhos dançarinos, que interrompem a coreografia e debandam.

nas árvores, miúdos gorjeios já reclamam pelo café. o pombo continua pensativo em cima do telhado. e um ventinho preguiçoso passa pelo milharal muito seco, pelo varal desnudo e sobe pra beijar meu rosto. um bom dia de manhã que acorda com muito orvalho nos olhos.


(SM)
tela: de Matha Barros: manhã com pingos de ave